Do filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, liberal, ouvi a máxima de que os juros são altos porque o brasileiro entrou na voracidade do consumo e não sabe poupar, preferindo se endividar sem olhar a taxa paga.
De um economista de direita, em um Congresso Internacional de Direitos Humanos em Belém, as críticas acerbas quanto ao fato do pobre gastar dinheiro atrás de quinquilharias da classe média.
De Frei Betto, de esquerda, que o grande erro do governo foi ter proporcionado bens materiais e não espirituais aos pobres.
De O Globo, sempre atento às invasões bolivarianas, ao fantasma de Che, e ao supremo risco dos irmãos Castro invadirem o Brasil, o endosso às teses de Frei Betto.
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E aí se vê a geleia geral em que se transformou a política brasileira. No Bolsa Família, Frei Betto critica o caráter “compensatório”. O Fome Zero, na versão idealizada por ele, era um “programa emancipador”, que primeiro daria formação, montaria uma estrutura em torno de conselhos populares, organização social, para depois premiar o pobre com o direito ao consumo.
Nada além do que organizações como o Movimento dos Sem Terra (MST), ou Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) propõem, ou seja, uma organização à parte do mercado, com fundas raízes ideológicas, ótimas para a organização de grupos sociais excluídos, temerária como política pública.
Releve-se o sofisma de Betto – que o governo deveria dar luz e saneamento em vez de renda familiar, como se ambas as prioridades fossem conflitantes.
O programa Luz para Todos é um sucesso amplo. O saneamento, uma frustração, mas por falta de competência gerencial, não de vontade política.
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Nos três casos – o liberal, o esquerdista e o direitista – o mesmo preconceito em relação ao livre arbítrio do cidadão e do mercado como elemento de inclusão social. Nos três casos, uma posição profundamente elitista, um liberalismo de jabuticaba, que investe contra princípios básicos do liberalismo para políticas sociais, que defende o livre arbítrio do beneficiário de políticas compensatórias; um esquerdismo de araque, que só concebe o tal do povo submetido a programas educativos; e um direitismo em estado puro, para quem o povo é a ralé.
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Sugiro aos três grupos os relatos da pesquisadora da Unicamp, Walkiria Leão, sobre o poder transformador do consumo – ela própria abrindo mão de seus preconceitos de esquerda contra o consumo.
São relatos extraordinários sobre a importância do “crédito” (de acredito) na vida das pessoas, a maneira como saíram do anonimato e ganharam um perfil público, levando-as a se transformar em outras.
Pobres que tinham até vergonha de frequentar locais públicos, graças ao consumo se sociabilizaram, não apenas venceram a fome e a insegurança financeira, mas ousaram novas profissões, novos voos.
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Betto tem uma diferença em relação ao Bolsa Família: sepultou o seu Fome Zero, um conjunto de ideias soltas, sem nenhuma amarração conceitual, sem capacidade de implementar política alguma.
Em uma das críticas ao Bolsa Família, em 2009, taxou-a de “projeto de poder”. Projeto de poder mambembe era o Fome Zero, com sua visão missionária de emancipação.
São esses pobres, que se tornaram classe média sem a tutela do Estado, que estão hoje empurrando o país para frente, ao exigir melhoria nos serviços públicos, a volta do crescimento econômico, a recuperação do sonho que aprenderam a sonhar.
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