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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A estratégia de Dilma e a síndrome de Jango

Estão certos os colegas que comparam as estratégias esboçadas por Dilma Rousseff com aquelas adotadas no período João Goulart.
Na época, a melhor análise em cima dos fatos foi dos jovens Carlos Araújo – com quem, mais tarde, Dilma se casou – e Wanderley Guilherme dos Santos.
Perceberam, ainda em 1962, a desvantagem de Jango em relação ao arco conspiratório. E intuíram, com enorme propriedade, que partir para o enfrentamento, com a tal história de “o povo unido jamais será vencido” coroaria o suicídio político.
Os ministros ortodoxos nunca foram o problema para Jango. Naquela conjuntura de descontrole das contas públicas e dos preços, não seguir suas recomendações, sim.
Walther Moreira Salles, no início, Carvalho Pinto, no final, eram pontos de apoio junto aos segmentos de poder institucionais – empresariado nacional, sistemas financeiro internacional, Justiça e militares. Justamente por serem avalistas de um programa de ajustes, depois que a farra criativa e irresponsável de JK arrebentou com as contas públicas e elevou a inflação.
Aqui, uma diferença central com Getúlio. Este sempre praticou políticas fiscais responsáveis.
Nem se imagine que fossem cegos seguidores da ortodoxia. Na Fazenda, Moreira Salles fez uma dobradinha criativa com o Ministro do Trabalho Franco Montoro, permitindo aumentos reais do salário mínimo. O primeiro ministro Tancredo Neves também entendia a necessidade de disciplinar os gastos públicos.
Mas a frente política que apoiava Jango era famélica, especialmente em cima da conta movimento do Banco do Brasil. Aliás, a maior influência espúria sobre o Banco do Brasil era do senador Jereissatti – pai do futuro senador Tasso Jereissatti. E Jango não dispunha da necessária energia para segurar esses movimentos. Não poucas vezes, Tancredo e Moreira Salles foram surpreendidos pelas concessões de Jango.
A questão da freada de arrumação foi reconhecida pelo próprio Celso Furtado – o Ministro desenvolvimentista – quando montou seu Plano Trienal, com reformas estruturais relevantes e ousadas, mas com conservadorismo no programa de estabilização. Aliás, indicado Ministro da Fazenda na Argentina, o próprio Raul Prebisch – o mais relevante criador da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) – foi um Ministro cauteloso. Ambos sabiam que inflação derruba governos.
A dubiedade de Jango
O problema maior de Jango foi sua dubiedade.
Tinha-se, de um lado, um enorme alarido para desestabilizar o governo, manobrado pelos grupos de mídia, pelas marchas da família. Cauteloso, Wanderley Guilherme dos Santos alertava: não deem corda; o que eles querem é que se parta para o confronto, pois isso legitimará o golpe.
Na outra ponta, escudado na campanha heroica de resistência que comandou em Porto Alegre, e que garantiu a posse de Jango, Leonel Brizola propunha a radicalização.
Jango balançava, então, entre seus pontos de contato com o mundo institucional encastelado no Rio – particularmente Moreira Salles, San Tiago Dantas e Tancredo – e as multidões que Brizola conseguia levar às ruas.
O equilíbrio era difícil. Se se afastasse muito da militância, Jango poderia ficar sem nada. Se endossasse a militância, forneceria o álibi que a direita precisava. Não soube encontrar o meio termo, embora tivesse toda a convicção de que o caminho correto seria a composição – conforme atestou Almino Affonso recentemente.
Essa dubiedade se manifestou na política econômica.
Em um momento de crise com organismos internacionais, Moreira Salles se dispôs a viajar para Paris para negociar com Giscard D’Estaing. A condição para o acordo era Jango não encaminhar ao Congresso a nova proposta sobre Lei de Remessa de Lucros.
Antes disso, em uma reunião do Gabinete de Tancredo, Jango colocou na frente de cada Ministro um trabalho do economista gaúcho Cibillis da Rocha Vianna, com propostas de crescimento rápido que, naquele momento, contrastavam totalmente com a necessidade de arrumar as contas públicas.
Moreira Salles saiu do Rio  com a garantia expressa de Jango que vetaria o projeto. Ao chegar na reunião, foi informado pelo próprio Giscard que o Congresso não havia seguido o combinado.
Moreira Salles voltou para o Rio disposto a pedir demissão.  No seu apartamento, foi procurado por Brizola e Brochado da Rocha pedindo que na carta de demissão atribuísse seus problemas ao parlamentarismo. O problema, de fato, não era o parlamentarismo. Foi sucedido por Brochado da Rocha, para preparar a volta ao parlamentarismo..
A partir dali, a radicalização aumentou, estimulada pelo aumento do descontrole na economia. O ápice foram as manifestações dos cabos e sargentos por seus direitos políticos, acendendo a luz vermelha da indisciplina no Estado Maior das Forças Armadas. E terminou com o trágico comício da Central do Brasil, que precipitou a queda de Jango.
Assistindo o filme, “O dia que durou 25 anos” – sobre o golpe contra Jango – Dilma se emocionou com a cena do comício da Central, e sobre a enorme cegueira de Jango, de não saber que já estava sozinho.

A estratégia de Dilma

É a partir das reflexões sobre o governo Jango que é possível entender a nova lógica por trás dos movimentos de Dilma.
No campo econômico, a cautela para não perder o controle da economia, valendo-se, agora, de dois avalistas junto ao empresariado – Joaquim Levy e Nelson Barbosa.
No campo social, a cautela para não proceder a qualquer movimento que reforce o alarido da mídia com o “bolivarismo”. Isso explica, em parte, a extrema insensibilidade para com os movimentos sociais no primeiro governo. Em qualquer movimento, bastava os grupos de mídia levantarem a história do “bolivarismo” para Dilma recuar.
Aparentemente, no decorrer da campanha eleitoral deu-se conta do exagero e passou a entender a importância das organizações sociais como fator de aprofundamento democrático, não de resistência revolucionária. Nesse sentido, as declarações dadas hoje ao Frei Betto e Leonardo Boff (http://surl.me/rpjg) são significativas do novo momento.
Segundo a matéria: “Após o encontro, Leonardo Boff afirmou que a própria presidente reconheceu a falta de contato com as bases. “[Dilma] se ocupava muito com a administração dos grandes projetos. Ela disse que a partir de agora será um ponto alto do seu governo um diálogo permanente, orgânico, contínuo, com os movimentos sociais, e com a sociedade em geral”, afirmou.


E, como ninguém é de ferro, não se espere enfrentamento na questão da mídia e das redes sociais.
http://jornalggn.com.br/noticia/a-estrategia-de-dilma-e-a-sindrome-de-jango

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Dilma começa a jogar os dados do segundo mandato

É possível que a presidente Dilma Rousseff esteja acertando em seus primeiros movimentos para a composição do segundo governo.
Ela tem dois desafios. Um deles, o da recomposição da segurança fiscal. O outro, o da composição de um Ministério plural, que contemple as diversas forças sociais e econômicas.
Trata-se não apenas de medida de eficiência, mas de governabilidade. Não se governa o país apoiado em um espectro político restrito.
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O modelo ideal é aquele em que em cada Ministério haja representantes autênticos da respectiva área de atuação, que tenham o pulso do setor e possam propor as melhores políticas setoriais.
Quando for temas interministeriais, monta-se um grupo de trabalho, discutem-se as questões e a presidente arbitra.
Houve muitas críticas à possível indicação da presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) para o Ministério da Agricultura, por acusações de complacência com trabalho escravo e desmatamento. Para o bem geral, ela não foi indicada nem para a Secretaria de Direitos Humanos nem para o IBAMA.
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Na frente econômica, o desafio de um plano fiscal factível, sem gestos heroicos.
Cotado para a Fazenda, o ortodoxo Joaquim Levy pode ser um risco, mas uma oportunidade.
O risco é se aplicar um ajuste fiscal radical. Nesse caso, sai de baixo. Como já escrevi, se Joaquim tocar, Dilma dança  
A oportunidade, se implementar um ajuste fiscal gradual, nos moldes defendidos por seu provável futuro colega de Planejamento, Nelson Barbosa.
Nessa segunda hipótese, a presença de Levy poderá ser positiva em três frentes.
A primeira, por permitir – por sua simples indicação – maior rapidez na recuperação da confiança do mercado.
A segunda, por garantir – por seu perfil – que, definido com a presidente o ritmo do ajuste, não haverá interferências no trabalho.
A economia contará com dois interlocutores pesos-pesados – ele e Barbosa.
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A terceira é a contrapartida que Dilma poderá oferecer aos grupos que protestaram contra sua indicação.
Dilma sempre foi resistente a formas de participação social. Assinou quase a contragosto o decreto de regulamentação (de figuras previstas na Constituição de 88) – o tal decreto “bolivariano”, conforme batizado pela ignorância radical.
A marca do primeiro governo Dilma foi de um profundo descaso com questões indígenas, fundiárias e de outras minorias – paradoxalmente ao lado de um profundo comprometimento em combater a miséria desorganizada.
As indicações de Levy e Kátia Abreu provocaram enorme alarido na banda esquerda do seu bloco de apoio, aquele que Dilma sempre contou nos momentos mais cruciais da sua curta carreira política – inclusive nas eleições passadas.
Se, como compensação, Dilma radicalizar no novo estilo e abrir espaço para a construção de políticas públicas por parte de atores da sociedade civil – de movimentos populares a ONGs empresariais –, especialmente nos Ministérios sociais, aprofundando a democracia social, poderá iniciar o segundo mandato sob ventos bastante auspiciosos.
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Se completar os preparativos com sinais claros de uma agenda de reformas macro ou micro, poderá inaugurar um período com perspectivas mais otimistas.


Obviamente, é do conjunto de decisões e do exercício do segundo mandato que se saberá melhor o que esperar de Dilma 2. Por enquanto, é apenas torcida.

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