Por José Antonio Lima
Na CartaCapital
O inquérito da Polícia Federal e o parecer do Ministério Público Federal sobre a Operação Lava Jato deixam poucas dúvidas a respeito de quão enrascado está o PT na investigação. O nome do tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, é citado diversas vezes e ao menos dois ex-diretores da Petrobras – Renato Duque e Pedro Barusco – são apontados como pontes do PT para o desvio de recursos públicos. Outras diretorias da estatal estavam, segundo a PF e o MPF, nas mãos de PP e do PMDB, revelando como a estatal foi fatiada em feudos entre os aliados. Não há como esconder tudo isso, o que torna lamentável o fato de, na ânsia de denunciar a corrupção petista, alguns veículos de imprensa estarem negligenciando parte dos autos da Operação Lava Jato e, com eles, da verdade.
O anseio de enquadrar o PT tem como face simbólica o uso do termo “petrolão”. Ao que consta, a expressão foi cunhada pelo deputado federal Antônio Imbassahy (PSDB-BA), líder da oposição, mas foi atrelada por parte da imprensa, como as revistas Veja e Época e determinados colunistas, às investigações da Lava Jato. A ligação pode ter sido feita sem qualquer senso critico, mas pode, também, ter ocorrido por conta de um intuito político específico – o de reforçar a imagem, construída com base em retratos parciais da realidade, de que o PT é o único partido corrupto do Brasil. O termo “petrolão” tem essa capacidade por duas razões: porque é uma alusão ao “mensalão”, que levou petistas graúdos para a cadeia, e porque circunscreve a corrupção à Petrobras, há 12 anos administrada pelo Partido dos Trabalhadores.
Não seria exatamente uma novidade se por trás do termo existisse uma questão política. Há uma fração significativa da grande imprensa dedicada a tornar verdadeira a tese do PT como dono de um monopólio da corrupção. Questionar essa “realidade” dentro de uma redação nunca é fácil. Para repórteres e editores, costuma ser uma empreitada altamente sensível, quando possível. Para colunistas, é abrir a porta para os ataques pessoais, como demonstra um episódio recente, afinal, quem faz uma ponderação de alguma forma positiva para o PT só pode estar recebendo dinheiro sujo para tanto, não é mesmo?
Na sexta-feira 21, o empresário Ricardo Semler, filiado ao PSDB e ex-professor do MIT, publicou na Folha de S.Paulo artigo com o título “Nunca se roubou tão pouco”, no qual fazia ponderações a respeito da corrupção no Brasil. Semler afirmava que é impossível fazer negócios com a Petrobras sem pagar propina, que não votou em Dilma e que o “processo de cura” da corrupção é “do país, não de um partido”. Isso bastou para que, na mesma Folha no dia seguinte, o articulista Demetrio Magnoli, cujo alvo preferido é o PT, incluísse Semler no rol dos "áulicos” que desejam “normalizar o escândalo” e insinuasse que o autor só tem as opiniões expostas por ter um contrato com os Correios.
Corrupção pré-PT
De fato, lembrar a corrupção pregressa é uma ferramenta estratégica do PT. Serve para inflar a militância e reforçar a imagem de vítima (da elite, da imprensa e do sistema) que o partido tenta passar. Não funciona, entretanto, para esconder os absurdos que a Lava Jato revelou e ainda revelará – tudo indica que a fase “política” da operação, sob os cuidados da Procuradoria-Geral da República, acertará o PT em cheio.
Constatar os graves desvios do PT, entretanto, não impede, ou ao menos não deveria impedir, que se fale também na antiguidade e da abrangência da corrupção no Brasil. Por sua profundidade, a Operação Lava Jato é talvez a investigação mais relevante da história do País, por trazer em seu bojo, como mostram os autos – não os áulicos –, um retrato escancarado do sistema em vigor.
Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos principais delatores da Lava Jato, é também funcionário de carreira da estatal. À Justiça, ele contou que, há décadas, as indicações são políticas na companhia. "Desde que eu me conheço como Petrobras, as diretorias e a presidência da Petrobras foram sempre por indicação política. Eu dava sempre o exemplo (...) ninguém chega a general se não for indicado. Você, dentro (...) das Forças Armadas, [se não tiver indicação], para como coronel e se reforma como coronel. Então, as diretorias da Petrobras, quer seja no governo Collor, quer seja no governo Itamar Franco, quer seja no governo Fernando Henrique, quer seja nos governos do presidente Lula, foram sempre por indicação política, e eu fui indicado, realmente, pelo PP, para assumir essa Diretoria de Abastecimento", disse Costa.
Na mesma direção vai o parecer do MPF a respeito da Lava Jato. Ao pedir o bloqueio dos bens das empreiteiras, medida negada pela Justiça, os procuradores são taxativos. “Muito embora não seja possível dimensionar o valor total do dano é possível afirmar que o esquema criminoso atuava há pelo menos 15 anos na Petrobras, pelo que a medida proposta (sequestro patrimonial das empresas) ora intentada não se mostra excessiva”, dizem.
Outros depoimentos indicam que Costa não mente e que o MPF está correto. Pedro Barusco, ex-diretor de Engenharia da Petrobras, confessou aos investigadores, segundo o jornal O Globo, que amealhou cerca de US$ 100 milhões em propinas desde que está na estatal, há 18 anos, bem antes, portanto, da primeira eleição de Lula. Fernando Antônio Falcão Soares, o Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no negócio, afirmou em depoimento, diz O Estado de S.Paulo, que começou seus negócios com a Petrobras ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O empresário Leonardo Meirelles, um dos donos do Labogen, laboratório usado pelo doleiro Alberto Youssef para lavar dinheiro ilegal, disse acreditar que "o PSDB e eventualmente algum padrinho político do passado e provável conterrâneo ou da região do senhor Alberto" foram beneficiados nos desvios de dinheiro da Petrobras.
O papel das empreiteiras
Cabe lembrar ainda que circunscrever o escândalo à Petrobras é um erro até mesmo para os que desejam culpar exclusivamente o PT, uma vez que a Lava Jato parece ter dado o pontapé inicial em investigações com potencial de fazer uma devassa no relacionamento de empresas privadas com o Estado. No inquérito da sétima fase da operação, a Polícia Federal é assertiva ao falar sobre a abrangência dos negócios de Alberto Youssef, verificados pelos investigadores ao quebrar o sigilo de suas empresas no exterior. Destaque-se, dizem os investigadores, "que os valores abrangem uma ampla gama de grandes empreiteiras e períodos, onde se infere que o esquema criminoso vai muito além das obras contratadas pela Petrobras, bem como evidencia-se que o mesmo apresenta continuidade mesmo após a demissão do então diretor Paulo Roberto Costa, o que deixa claro que o esquema é muito maior do que a mera Diretoria de Abastecimento da Petrobras, mas abrange sim uma estrutura criminosa que assola o país de Norte a Sul, até os dias atuais". A investigação, prossegue a PF, torna possível "concluir que as grandes empreiteiras pagam um 'pedágio' ou 'comissão', que é movimentado por intermédio de operadores como Alberto Youssef. E deve ser afirmado aqui que Youssef é apenas mais uma engrenagem dessa estrutura, que certamente contempla diversos outros operadores, ligados a outros grupos".
Por ora, a PF e o MPF têm foco restrito na Petrobras, mas cedo ou tarde a investigação vai se expandir. Quando foi preso, em março, em São Luís, Youssef carregava consigo uma lista de 750 obras nas quais estava envolvido. A tabela não vazou até aqui, mas outros contratos públicos apareceram nas investigações, como os dois realizados na gestão de Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura de São Paulo e um firmado entre a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e uma empresa de fachada de Youssef. Como se sabe, as empreiteiras investigadas têm negócios em todos os estados e seria ingenuidade crer que só há pagamento de propinas em uma única empresa estatal, ainda que esta seja a maior do País.
Destrinchar esses contratos, envolvendo o PT ou não, deveria ser crucial para a imprensa pois a relação entre empreiteiras e órgãos públicos lesa o Estado. Surgida durante a ditadura, como conta o livro Estranhas catedrais, do pesquisador Pedro Henrique Pedreira Campos, essa relação se transformou hoje em parte do que o pesquisador do Insper Sergio Lazzarini chamou de "capitalismo de laços" em livro homônimo, uma união entre o Estado e determinados grupo privados que "reduz a competição em licitações e novos projetos, inibindo a participação novos investidores e empreendedores". É justamente a gênese do cartel investigado na Operação Lava Jato, que abastece prioritariamente políticos governistas, mas também os oposicionistas. Como contou em depoimento Ricardo Pessoa, dono da UTC e um dos presos pela PF em 14 de novembro, sua empreiteira mantinha uma relação estreita com arrecadadores de campanha do PT (o tesoureiro João Vaccari Neto) e do PSDB (o ex-executivo do Itaú Sérgio de Silva Freitas, conhecido como Dr. Freitas). Não à toa, uma consulta rápida à lista de doadores de Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) mostra uma impressionante taxa de coincidência.
Está claro que a Lava Jato é um retrato triste e profundo do Brasil. Diante dela, é óbvio que a imprensa tem razão em destacar a corrupção do partido do governo. É impossível esquecer que o PT subiu ao poder em 2003 com a bandeira da ética em suas mãos e jogou parte de sua história no lixo ao dar prosseguimento a alguns dos mais pútridos esquemas vigentes. Destacar só a corrupção petista, entretanto, é papel da oposição, não do jornalismo. Para contribuir com o avanço do País, a imprensa deveria destacar o caráter endêmico da corrupção e mostrar que o combate a ela deve ter como foco a busca por transparência e instituições mais fortes e independentes, não a histeria. Simplesmente trocar a cúpula do esquema não é um caminho pródigo, como mostra o próprio histórico dos governos petistas.
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