Em meados de 1991, a imprensa começou a divulgar denúncias envolvendo o círculo próximo de Fernando Collor de Mello, como ministros, amigos e até a então primeira-dama, Rosane Collor. Menos de um ano depois (em maio de 1992), a revista Veja, que construíra a imagem dele como “caçador de marajás”, publica entrevista de Pedro Collor de Mello, irmão do presidente, em que este denunciou o dito esquema de corrupção, que envolvia o ex-tesoureiro da campanha colorida, Paulo César Farias.
Em 27 de maio de 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito é instalada para apurar a responsabilidade do presidente sobre os fatos divulgados. Em 1° de junho, a CPI começa seus trabalhos, que passam a ser acompanhados, a cada passo, pela grande imprensa. A Revista IstoÉ publica, em 24 de junho, matéria na qual Eriberto França, motorista da secretária de Collor, revela que pagava despesas pessoais do presidente com dinheiro de conta fantasma mantida por PC Farias, reforçando a tese do irmão do presidente
Em 2 de outubro é aberto o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, impulsionado pela maciça presença do povo nas ruas, como o movimento dos caras-pintadas.
Collor começou a cair no dia 20 de setembro de 1992, poucos dias antes de a Câmara instalar o processo de impeachment, quando foi à tevê, em rede nacional, fazer um pronunciamento contra a abertura do processo legislativo contra si. Em tom de desafio, tentou usar sua oratória quase perfeita para tentar mudar os ventos da política.
Como todos sabem, o chamamento de Collor foi um desastre – para ele mesmo. No domingo seguinte, milhares de jovens, os famosos caras-pintadas, vestiram-se e pintaram os rostos de preto e saíram às ruas clamando pela deposição do presidente da República.
As comparações entre a saga collorida e o calvário enfrentado pela presidente Dilma Rousseff têm sido frequentes na mídia antipetista e nas declarações da oposição, apesar das enormes diferenças entre um caso e outro. Dilma não foi alvo de denúncia pessoal. Apesar disso, foi alvo de um parecer tabajara encomendado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e emitido pelo jurista Ives Gandra Martins, prontamente desmontado por uma longa fila de juristas – aqui e aqui.
Apesar disso, os pistoleiros contratados por Globos, Folhas, Vejas e Estadões para manter o PT e o governo Dilma sob fogo cerrado vêm espargindo a teoria de que, tal qual ocorreu com Collor, apesar da falta de elementos contra si a presidente da República pode, sim, ser alvo de impeachment porque esse é um “processo político” que, tal qual o de Collor, dispensa provas para ser levado a cabo.
De fato, apesar de Collor ter sido deposto – ou levado a renunciar, porque o fez antes de o Congresso votar seu impeachment – ele nunca foi condenado por nada, na Justiça. Não havia elementos suficientes para uma condenação. Inúmeros juristas consideraram a denúncia judicial inepta. Porém, contra Collor não faltaram denúncias pessoais. A começar de seu irmão e do motorista Eriberto França, que afirmou que ia buscar propinas em nome do então presidente.
O processo de impeachment contra Collor, porém, atendeu a um clamor da sociedade que se fazia ouvir desde o confisco da poupança, levado a cabo no limiar de seu desastroso governo. A grande ironia é que a medida que a então ministra Zélia Cardoso de Mello adotou visando exterminar a inflação galopante com uma “bala de prata”, como se dizia à época deixou a esquerda perplexa e a direita indignada. Collor se indispôs com a direita midiática naquele momento.
De volta ao presente, o que se vê são tentativas dos pistoleiros midiáticos não só no sentido de levar a cabo um processo parecido contra Dilma, mas, como o leitor verá a seguir, de reproduzir evento que foi a pá de cal no governo Collor. Qual seja, o gigantesco protesto dos caras-pintadas.
Esse protesto convocado para meados do mês que vem, no entanto, não guarda qualquer semelhança com o levado a cabo contra Collor. Está sendo organizado pelos grupos que pedem a volta da ditadura militar, sendo, pois, um movimento de ultradireita, enquanto que o legítimo movimento dos caras-pintadas teve, à frente, a União Nacional dos Estudantes, a Central Única dos Trabalhadores e tantos outros movimentos de esquerda.
Todavia, farsas não requerem precisão histórica. Eis por que os pistoleiros da grande mídia antipetista já tentam reproduzir o golpe final no governo Collor.
Na última terça-feira, o blogueiro da Globo Ricardo Noblat aproveitou-se de uma iniciativa ingênua de alguns militantes do PT no Facebook de convocarem – sem apoio do partido – uma contra-manifestação em resposta àquela convocada pelos golpistas para 15 de março para estabelecer uma comparação entre a a manifestação contra Collor em 1992 e a manifestação contra Dilma no mês que vem.
Abaixo, a tentativa de Noblat de transformar Dilma em Collor.
Como se vê, o blogueiro da Globo até admite que não existe base sequer parecida nos delírios golpistas contra Dilma com as razões concretas que levaram Collor ao impeachment, mas “argumenta” que mesmo sem elementos mínimos para abertura do processo a Câmara, comandada por Eduardo Cunha, pode jogar no lixo 54 milhões de votos, configurando um “golpe paraguaio” como o que este Blog anunciou tantas vezes que seria tentado.
Este blogueiro, vendo a tentativa de enganar o público anunciando uma orientação do PT que nunca existiu, tratou de tentar esclarecer o caso pedindo informações sobre a suposta contra-manifestação do partido no dia da marcha golpista. Ao que recebeu resposta do vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice.
Além disso, Cantalice ainda divulgou mensagem em redes sociais negando qualquer iniciativa do PT no sentido de promover o que seria uma sandice, pois encontro dos grupos anti e pró Dilma poderia provocar um banho de sangue, haja vista nos ânimos exaltados dessas facções, sob insuflação incessante da mídia.
Com esse post mentiroso, o blogueiro da Globo mata dois coelhos com a mesma cajadada: divulga o protesto e ainda estimula quem pensa como ele a sair de casa para participar.
O plano de Noblat et caterva, porém, tem uma falha. Em 1989, Collor saiu candidato por uma legenda de aluguel, o então chamado Partido da Reconstrução Nacional (PRN), que já fora Partido da Juventude, criado em 1985 no âmbito do processo de redemocratização que culminou com a eleição do mesmo Collor.
Em 1992, o PRN, que mal existia, ficou assistindo, impotente, à deposição de Collor. Tratava-se de mera legenda de aluguel, sem ideologia, sem lideranças de peso. O PRN era uma farsa destinada a emoldurar a imagem de “novidade” que cercava o “caçador de marajás” inventado por Veja.
O PT, por mais que tenha sido afetado pela campanha de difamação da mídia antipetista, ainda é o maior partido político brasileiro em termos de militância e de base social. Supostamente, tem ao seu lado movimentos sindicais e sociais históricos como CUT e MST, que, por mais que estejam indispostos com Dilma, diante de uma tentativa de “golpe paraguaio” acabarão se mexendo, pois sabem muito bem que a volta da direita ao poder os dizimaria.
Passado o Carnaval, a tese do impeachment irá ganhar força simplesmente porque a direita midiática sabe que os ajustes que Dilma Rousseff vem promovendo na economia deverão funcionar e lá por 2016 o Brasil deve começar a crescer de novo, mais uma vez com distribuição de renda, diminuição do desemprego e valorização dos salários. Desse modo, para os golpistas é agora ou nunca. Falta, porém, combinar com “os russos”, ou seja, com a ainda consistente base social e política do PT.
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